Sugestão de Leitura | Liderar de salto raso: A coragem de quem leva tudo no colo

Em parceria com:

Published on July 3, 2025

Liderar de salto raso. A coragem de quem leva tudo no colo

Por Nádia Simões, PWN Lisbon Board Member


Há quem pense que a liderança se mede em decibéis. Em gráficos. Em KPIs. Em dashboards de produtividade e folhas de Excel que nunca cabem num ecrã só. Mas eu conheço líderes que se movem no silêncio dos corredores, que falam com as mãos, que seguram equipas inteiras com a mesma leveza com que amparam a gestão das tarefas do dia a dia. Muitas são mulheres. Muitas Mulheres com M maiúsculo. Algumas lideram equipas de tecnologia e gerem a atividade profissional, entre reuniões e birras de final de dia. E quase todas carregam no colo, ao mesmo tempo, a casa, o trabalho e o mundo.

Dizem-me que o mundo Corporativo é um lugar de guerra fria. Eu acredito que pode ser um lugar acolhedor e com espaço para crescimento: não só profissional, mas também emocional. É necessário haver espaço para uma liderança no feminino — não porque “é moda”, mas porque é urgente.

Este não é um artigo sobre percentagens. É um artigo sobre presença. Sobre aquelas que, muitas vezes, chegam em silêncio, mas deixam um eco que perdura. Quero falar da coragem de liderar sem pedir desculpa por existir. Quero falar da maternidade como um MBA que ninguém reconhece. Quero falar da Empatia como característica essencial. Quero falar da tecnologia que precisa de aprender a cuidar.

Porque liderar de salto raso é, no fundo, liderar sem disfarces. E talvez seja aí que tudo começa a mudar.

O meu nome é Nádia Simões, Mãe de 3 filhos, responsável de vendas numa empresa de tecnologia e voluntária na Professional Women Network, na qual assumi recentemente a área das Parcerias. Poderia ser mais fácil? Sim poderia.. mas seguramente não seria tão divertido.


As novas faces da Liderança

Durante demasiado tempo, ensinou-se que liderar era subir um pódio, erguer a voz, marcar território. Que liderar era competir, esmagar, gritar mais alto. Talvez por isso, durante demasiado tempo, muitas Mulheres acreditaram que tinham de vestir esse fato — e nesse processo, algumas deixaram pedaços de si pelo caminho.

Mas, felizmente, há um novo paradigma a nascer, e nele, a liderança feminina não vem para ocupar os lugares dos homens — vem para redesenhar o espaço. Vem para transformar as hierarquias verticais em redes circulares, onde se escuta, onde se cuida, onde se cresce em conjunto.

Liderar no feminino é trazer para a mesa a coragem de dizer “não sei”, “preciso de ajuda”, “estou cansada”, sem que isso seja um atestado de incompetência. É liderar com empatia, com vulnerabilidade, com uma força que não se mede na quantidade de emails enviados às duas da manhã, mas sim na capacidade de escutar o outro até ao fim da frase.

As empresas que resistem a este novo modelo de liderança não percebem que a empatia não é um “mínimo corporativo” — é a nova vantagem competitiva. Porque equipas que se sentem vistas, cuidadas e respeitadas trabalham com mais vontade, criam com mais liberdade e permanecem com mais lealdade.

E nesta revolução, as mulheres que lideram — e as que se atrevem a liderar ao seu modo — são as arquitetas de um novo mundo possível.


A empatia não é um privilégio — É uma competência

Durante anos, a empatia foi tratada como um adereço. Um “extra” para os soft skills. Mas a empatia não é um acessório — é um músculo. E como todos os músculos, ou se treina, ou atrofia.

As Mulheres treinam este músculo todos os dias, muitas vezes sem saberem. Quando percebem no olhar de um colega o que ele ainda não soube dizer. Quando antecipam conflitos invisíveis numa equipa. Quando constroem pontes entre pessoas que não se entendem. Quando escolhem escutar antes de responder.

Num mundo onde a tecnologia avança mais depressa do que a capacidade humana de adaptação, a empatia deixou de ser opcional. Os algoritmos não sentem, as máquinas não se colocam no lugar do outro. Por isso, liderar com empatia é um antídoto para a desumanização progressiva dos espaços de trabalho. Só com base neste equilíbrio poderemos ambicionar ter uma verdadeira Inteligência Artificial a funcionar de forma correta e produtiva.

O curioso é que muitas empresas procuram líderes “human-centered”, mas continuam a penalizar as mesmas pessoas que encarnam essa liderança: as mães, as/os mais  compreensivos, os que não têm medo de demonstrar emoção. O mercado diz que quer empatia, mas continua a valorizar a agressividade disfarçada de proatividade.

O dia em que percebermos que a Empatia é uma competência operacional — e não apenas emocional — talvez seja o dia em que começamos a contratar, promover e ouvir com outros critérios.


Maternidade: O MBA que ninguém reconhece

Ser mãe não é uma pausa na carreira. É um curso intensivo de liderança prática, sem manual de instruções.

A maternidade ensina gestão de tempo quando tens de preparar o relatório para a reunião das nove e, ao mesmo tempo, vestir um filho de três anos que insiste que quer ir de pijama para a escola. Ensina gestão de crise quando uma febre aparece no meio de um projeto com deadline crítico. Ensina negociação de alto nível quando tentas convencer um adolescente a deixar o telemóvel à hora de jantar.

Ser mãe é um estágio forçado em resiliência, adaptação, multitasking e priorização. É aprender a ser eficaz em (micro) janelas de tempo, é tomar decisões com informações incompletas, é liderar com, seguramente, empatia.

E, ainda assim, no mundo corporativo, muitas mulheres ouvem: “Agora vais abrandar, não é?” “Agora já não tens tanta disponibilidade, pois não?”

Como se ser mãe fosse um travão. Como se a maternidade fosse uma distração. Como se tudo o que se aprende fora do escritório não contasse dentro dele.

A verdade é que a maternidade cria líderes com uma capacidade quase orgânica de gerir o caos, de perceber o que importa, de pôr o ego de lado. São líderes que aprendem a delegar porque não conseguem fazer tudo sozinhas — e isso, curiosamente, é uma das maiores virtudes de um bom líder.

Talvez esteja na hora de reconhecer que o MBA da maternidade vale tanto como qualquer formação executiva. E talvez esteja na hora de as empresas começarem a valorizá-lo (ainda mais) como tal.


Tecnologia e Liderança no feminino: dois mundos que precisam de se encontrar

Costuma-se dizer que a tecnologia aproxima pessoas. Mas, muitas vezes, aproxima-nos de tudo, menos de nós mesmas. Aproxima-nos de objetivos, de deadlines, de resultados — mas afasta-nos do tempo, do detalhe, do espaço para respirar.

O mundo das Tecnologias de Informação continua a ser um território maioritariamente masculino. As mulheres ainda são minoria nos cursos de engenharia, sub-representadas nas lideranças e frequentemente invisíveis nas mesas onde se tomam as decisões. Se liderar já é difícil para uma mulher, liderar equipas tecnológicas pode ser um desporto de alta resistência.

Porque aqui, o tempo é sempre escasso. O relógio anda mais depressa, o ritmo é implacável, e a cultura do “sempre ligado” continua a ser vista como um sinal de competência.

As mulheres que tentam crescer neste setor enfrentam, ainda hoje, uma parede invisível. Não por falta de capacidade, mas porque os modelos de liderança tradicionais não as incluem. Ainda se espera que quem lidera esteja sempre disponível. Ainda se desconfia de quem precisa de flexibilidade. Ainda se olha com desdém para quem não responde a emails ao domingo.

É aqui que a tecnologia e a liderança no feminino precisam desesperadamente de se encontrar. Porque a tecnologia não pode continuar a ser desenhada só para um tipo de vida. Não pode continuar a premiar apenas os modelos de presença total e de disponibilidade ininterrupta. Não pode continuar a excluir as lideranças que trazem para a mesa o tempo da escuta, o espaço da vulnerabilidade, a coragem de dizer “agora não posso… agarro nessa tarefa mais tarde.” 

Aprendi, não há muito tempo, uma expressão que marcou a minha forma de pensar sobre este tema: No quotidiano profissional, vivemos muitas vezes sob o domínio de Cronos — o tempo cronológico, linear, marcado por prazos, agendas e urgências. É o tempo que nos pressiona, exige produtividade constante e nos coloca numa corrida contra o relógio. Mas há também o Kairós, o tempo oportuno, aquele que não se mede em minutos, mas em significados. Esta dualidade convida-nos a perceber o momento certo de agir, a dar espaço para a reflexão, a criatividade e a tomada de decisões mais conscientes. É o tempo da qualidade, não da quantidade.

Felizmente existem exemplos de mudança. Empresas tecnológicas que começam a criar modelos de trabalho híbridos mais humanos, que começam a implementar políticas de gestão partilhada, que começam a perceber que o talento feminino não pode — nem quer — ser desperdiçado. Gradualmente, vamos criando espaços onde uma Mulher pode liderar uma equipa de TI sem sentir que está a falhar em algum lado.

A tecnologia precisa de mulheres líderes. Precisa da sua empatia, da sua visão, da sua capacidade de criar soluções que tenham em conta diferentes formas de viver e de trabalhar. Porque a tecnologia que não cuida de quem a constrói, dificilmente vai cuidar de quem a utiliza.

Tecnologia e liderança no feminino têm de se encontrar no meio do caminho. Precisam de criar, juntas, novos modelos de tempo, de trabalho, de sucesso. Precisam de redesenhar o palco, para que não seja preciso abandonar a maternidade para ocupar um lugar na primeira fila. Precisam de deixar espaço para que AS próximas líderes possam chegar de salto raso, de ténis ou de sandálias — mas sempre de cabeça erguida.

Os melhores líderes que conheci — mulheres e homens — eram pessoas que cuidavam e acolhiam as suas equipas. Que sabiam que o valor de um projeto não se mede apenas no lucro, mas no impacto que tem na vida das pessoas que o constroem.

O mundo precisa de líderes que saibam cuidar. E precisa, sobretudo, de aceitar que cuidar não diminui ninguém. Pelo contrário: cuidar exige coragem. Exige atenção. Exige presença.
Liderar no feminino é também isto: liderar sem medo de ser afetada. Sem medo de criar laços. Sem medo de estar próxima. Sem medo de mostrar emoção. Liderar sem disfarçar a maternidade. Liderar sem esconder que se é humana.

E talvez por isso as lideranças femininas com maior impacto sejam aquelas que não tentam imitar os modelos masculinos, mas sim criar novos caminhos. Caminhos onde se lidera sem capa de super-heroína. Onde o salto pode ser raso e o passo pode ser firme. 

Durante demasiado tempo, ensinaram-nos que a liderança era uma performance. Que era preciso endurecer. Que era preciso vestir fatos apertados, responder de forma assertiva, nunca mostrar fraqueza, nunca hesitar, nunca vacilar.

Mas talvez as líderes mais transformadoras sejam as que hesitam antes de decidir. As que perguntam antes de impor. As que se permitem sentir. As que sabem que ser vulnerável não é ser fraca — é ser profundamente corajosa.

O futuro das organizações precisa de pessoas que saibam ouvir. 

A liderança no feminino não é apenas sobre lugares ocupados. É sobre espaço criado. É sobre redes de suporte. É sobre mudar as regras, não apenas jogar segundo as regras dos outros.

É sobre dizer, com firmeza e sem pedir desculpa:
 “Eu estou aqui. Com salto raso. Com empatia. E com uma vontade enorme de liderar — sem me perder pelo caminho.”


Este artigo faz parte de uma parceria editorial estabelecida entre a PME Magazine e a PWN Lisbon

Leia este e outros artigos de referencia, aqui.